Deslição de anatomia
I owe Marilyn Monroe a real debt. It was because of her that I played the Mocambo, a very popular nightclub in the ’50s. She personally called the owner of the Mocambo [ed. note: who had refused to book Fitzgerald because she was black], and told him she wanted me booked immediately, and if he would do it, she would take a front table every night.
She told him – and it was true, due to Marilyn’s superstar status – that the press would go wild. The owner said yes, and Marilyn was there, front table, every night. The press went overboard… After that, I never had to play a small jazz club again. She was an unusual woman – a little ahead of her times. And she didn’t know it.
Ella Fitzgerald
O teu rosto será o último
(…) Horas a fio de contemplação e nunca havia dado por ela. Agora, parecia-lhe o centro de tudo. Não a rapariguinha a beber água junto do poço, como chegara a pensar. Nem o homem gordo de camisola e barrete azuis montado numa pipa de vinho. Nem a alma do outro mundo em cima de um carro puxado por duas cordas. Nem as crianças a jogarem ao pião. Nem a mulher empinada numa escada. Nem a outra à beira da fogueira. Nem o homem que parecia prestes a lançar-se de uma janela. Nem os pobres de mão estendida. Nem a procissão a sair pela porta da igreja. Nem o homem da gaita de foles. Nem o outro que acartava uma saca às costas. Nem aqueles a dançarem de mãos dadas fazendo uma roda. Nem o barrigudo de panela na cabeça a tocar guitarra. Nem os dois peixes enormes dentro de um cesto. Nem a criança de braços no ar. Nem o grupo de mascarados. Nem as freiras. Nem o leitão que o homem gordo de camisola e barrete azuis segurava num espeto. Nem o porco atrás do poço. Nem a banca do peixe. Nem o homem a despejar um balde pela janela. Nem as duas árvores. Não. O centro de tudo era aquela mulher de lenço azul na cabeça, apoiada em duas muletas. Era ali, naquela figura, que tudo começava e tudo acabava. (…)
José Ricardo Pedro ( Prémio LEYA)
Dia da Mãe
A minha está bem e muito viva.
(…)
Tu eras a pessoa mais antiga que eu jamais conheci. Eras a monotonia de meu amor eterno,
e eu não sabia. Eu tinha por ti o tédio que sinto nos feriados, O que era? era como a água
escorrendo numa fonte de pedra, e os anos demarcados na lisura da pedra, o musgo
entreaberto pelo fio d’água correndo, e a nuvem no alto, e o homem amado repousando,
e o amor parado, era feriado, e o silêncio no voo dos mosquitos. E o presente disponível.
E minha libertação lentamente entediada, a fartura, a fartura do corpo que não pede e não precisa.