Archive for Novembro, 2012

Intemporal

Segunda-feira
trabalhei de olhos fechados
na terça-feira
acordei impaciente
na quarta-feira
vi os meus braços revoltados
na quinta-feira
lutei com a minha gente
na sexta-feira
soube que ia continuar
no sábado
fui à feira do lugar
mais uma corrida, mais uma viagem
fim-de-semana é para ganhar coragem


A estupidificação dos cidadãos

Ora bem, depois de mergulhar a palhinha na bebida, que outras utilidades é que lhe podemos dar?!!

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Para a Marracas Portas Gomes


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Confronto de ideias

Cartaz feito por A. Chinita


Em dia de Greve Geral

Na minha família os animais domésticos não eram cães nem gatos nem pássaros; na minha família os animais domésticos eram pobres. Cada uma das minhas tias tinha o seu pobre, pessoal e intransmissível, que vinha a casa dos meus avós uma vez por semana buscar, com um sorriso agradecido, a ração de roupa e comida.

Os pobres, para além de serem obviamente pobres (de preferência descalços, para poderem ser calçados pelos donos; de preferência rotos, para poderem vestir camisas velhas que se salvavam, desse modo, de um destino natural de esfregões; de preferência doentes a fim de receberem uma embalagem de aspirina), deviam possuir outras características imprescindíveis: irem à missa, baptizarem os filhos, não andarem bêbedos, e sobretudo, manterem-se orgulhosamente fiéis a quem pertenciam. Parece que ainda estou a ver um homem de sumptuosos farrapos, parecido com o Tolstoi até na barba, responder, ofendido e soberbo, a uma prima distraída que insistia em oferecer-lhe uma camisola que nenhum de nós queria:

– Eu não sou o seu pobre; eu sou o pobre da minha Teresinha.

O plural de pobre não era «pobres». O plural de pobre era «esta gente». No Natal e na Páscoa as tias reuniam-se em bando, armadas de fatias de bolo-rei, saquinhos de amêndoas e outras delícias equivalentes, e deslocavam-se piedosamente ao sítio onde os seus animais domésticos habitavam, isto é, uma bairro de casas de madeira da periferia de Benfica, nas Pedralvas e junto à Estrada Militar, a fim de distribuírem, numa pompa de reis magos, peúgas de lã, cuecas, sandálias que não serviam a ninguém, pagelas de Nossa Senhora de Fátima e outras maravilhas de igual calibre. Os pobres surgiam das suas barracas, alvoraçados e gratos, e as minhas tias preveniam-me logo, enxotando-os com as costas da mão:

– Não se chegue muito que esta gente tem piolhos.

Nessas alturas, e só nessas alturas, era permitido oferecer aos pobres, presente sempre perigoso por correr o risco de ser gasto

(- Esta gente, coitada, não tem noção do dinheiro)

de forma de deletéria e irresponsável. O pobre da minha Carlota, por exemplo, foi proibido de entrar na casa dos meus avós porque, quando ela lhe meteu dez tostões na palma recomendando, maternal, preocupada com a saúde do seu animal doméstico

– Agora veja lá, não gaste tudo em vinho

o atrevido lhe respondeu, malcriadíssimo:

– Não, minha senhora, vou comprar um Alfa-Romeo

Os filhos dos pobres definiam-se por não irem à escola, serem magrinhos e morrerem muito. Ao perguntar as razões destas características insólitas foi-me dito com um encolher de ombros

– O que é que o menino quer, esta gente é assim

e eu entendi que ser pobre, mais do que um destino, era uma espécie de vocação, como ter jeito para jogar bridge ou para tocar piano.

Ao amor dos pobres presidiam duas criaturas do oratório da minha avó, uma em barro e outra em fotografia, que eram o padre Cruz e a Sãozinha, as quais dirigiam a caridade sob um crucifixo de mogno. O padre Cruz era um sujeito chupado, de batina, e a Sãozinha uma jovem cheia de medalhas, com um sorriso alcoviteiro de actriz de cinema das pastilhas elásticas, que me informaram ter oferecido exemplarmente a vida a Deus em troca da saúde dos pais. A actriz bateu a bota, o pai ficou óptimo e, a partir da altura em que revelaram este milagre, tremia de pânico que a minha mãe, espirrando, me ordenasse

– Ora ofereça lá a vida que estou farta de me assoar

e eu fosse direitinho para o cemitério a fim de ela não ter de beber chás de limão.

Na minha ideia o padre Cruz e a Saõzinha eram casados, tanto mais que num boletim que a minha família assinava, chamado «Almanaque da Sãozinha», se narravam, em comunhão de bens, os milagres de ambos que consistiam geralmente em curas de paralíticos e vigésimos premiados, milagres inacreditavelmente acompanhados de odores dulcíssimos a incenso.

Tanto pobre, tanta Sãozinha e tanto cheiro irritavam-me. E creio que foi por essa época que principiei a olhar, com afecto crescente, uma gravura poeirenta atirada para o sótão que mostrava uma jubilosa multidão de pobres em torno da guilhotina onde cortavam a cabeça aos reis”

Os pobrezinhos
António Lobo Antunes


Tão tão e tem tem tem


A song for Europe


Guimarães

Estórias de uma visita guiada aos Paços do Duque de Bragança.

Antigamente, não havia hábitos de higiene. Não se lavavam as mãos, antes ou depois das refeições. Os cães estrategicamente colocados debaixo da mesa, lambiam as mãos dos convivas, davam o pêlo para alguma gordurinha entranhada e ainda comiam os restos.

Catarina de Bragança levou a tradição do “5 o’clock tea” para Inglaterra.

Reza a lenda que, tendo conhecimento das traições amorosas de seu marido, Catarina convidava com frequência  as mulheres da corte, para um encontro a meio da tarde, nos salões do palácio. Aquela que não comparecesse, seria a amante do rei. Nesses encontros, ao servir o chá, ela dizia: “Para ti, para ti e para ti”.

Passando então a designar-se a bebida de “tea”.

Really?!


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11-11

Hoje é o teu dia, pai.

He says
When you gonna make up your mind
When you gonna love you as much as I do
When you gonna make up your mind
Cause things are gonna change so fast
All the white horses have gone ahead
I tell you that I’ll always want you near
You say that things change
My dear


Portugal


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Contos à volta da lareira

E aí começam ambos a trabalhar, ele em armas de fogo, que vai buscar a Vigo, e ela em cortes de seda, que esconde debaixo da camisa, enrolados à cinta, de tal maneira que já ninguém sabe ao certo quando atravessa o ribeiro grávida a valer ou prenha de mercadoria.” (Miguel Torga, in Fronteira – “Novos Contos da Montanha”).

Por aqueles caminhos até à fronteira, andavam os contrabandistas. Já conheciam bem os sítios por onde passar a vau e fugir à guarda fronteiriça.

Lá no Monte Roxo, já sabíamos quando vinha o contrabandista. Víamo-lo chegar de bicicleta, ou de burro. Esperávamos à porta com grande ansiedade. Ajudávamos a descarregar os malotes e remexíamos em tudo o que lá vinha dentro – tecidos, perfumes, sabonetes. Tesouros vindos de Espanha. Acompanhávamos as sopas de leite com as aventuras e perigos do Ti Joaquim, o Guerreiro. Pernoitava por lá, o que adorávamos, pois tínhamos mais tempo para bisbilhotar o conteúdo das malas e sonhar com histórias de mil e uma noites, cheias de polícias, ladrões e princesas bem perfumadas.